
Do ritual à economia! O que mudou no consumo do café pelo brasileiro?

Um companheiro inseparável, um rito mais que tradicional. É essa a relação do brasileiro com o café, presente em todos os momentos do dia de 96% da população. Porém, esse relacionamento vem enfrentando silenciosas transformações. A bebida presente nas xícaras e copos segue a mesma, mas sua composição, e as razões para esse convívio, já não são iguais.
É o que aponta a nova edição da pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) “Café – Hábitos e Preferências do Consumidor (2019–2025)”, realizada pelo Instituto Axxus, em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas (NEIT/Unicamp).
Os resultados mostram que o brasileiro segue apaixonado pelo café, mas a relação tem vivenciado um momento de esfriamento, com menos consumo, mais cuidado nas escolhas e, principalmente, mais atenção ao preço. Por outro lado, esse mesmo consumidor se mostra mais curioso, mudando o simbolismo do café: o que antes era o resumo da rotina, está virando uma questão de estilo.
“Os resultados mostram uma transformação nos hábitos de consumo. Porém, o brasileiro continua amando e comprando café”, destaca Mônica Pinto, gerente de Marketing da ABIC.
Hábitos de Consumo
Entre 2019 e 2025, o consumo de café no Brasil passou por mudanças sutis, mas reveladoras. Apesar de 70% dos brasileiros ainda consumirem três xícaras ou mais por dia, o levantamento deste ano aponta uma redução de três pontos percentuais na comparação com 2019 e de cinco com 2023.
Já o número de pessoas que consomem até duas xícaras por dia cresceu, passando de 8% em 2019, para 10% em 2023 e chegando a 14% em 2025, o que reforça uma tendência de moderação no consumo cotidiano.
Por outro lado, o total dos que não consomem café caiu pela metade. Em 2025, apenas 4% afirmaram não ingerir a bebida, uma retração de quatro pontos percentuais em relação a 2019 e uma alta de um ponto percentual sobre 2023. Isso ratifica a ampliação da base de consumidores, mesmo com menor volume diário.
Um dos resultados mais marcantes é o fato de que 24% dos entrevistados declararam ter reduzido o consumo em 2025 (em 2019 apenas 7% relataram esse movimento). A parcela que afirma ter aumentando a ingestão de café também caiu drasticamente: de 36% em 2019 para apenas 2% em 2025. Em contrapartida, a maioria 74% afirmou ter mantido os mesmos hábitos.
Apesar das variações, o cenário apresentado é estável, ainda que menos expansivo na comparação entre os últimos seis anos, demonstrando a maturidade do café, com consumo estável e moderado.
O Rito do Consumo: horários de ingestão
No que diz respeito aos horários de consumo, os resultados permaneceram estáveis desde 2019, refletindo que papel ritualístico do café na vida do brasileiro segue resiliente. O produto segue fortíssimo e indispensável da rotina matinal: 96% dos entrevistados afirmaram tomá-lo ao acordar, uma baixa de apenas 1% com o registrado em 2019 e em 2023. O mesmo padrão é visto no consumo durante a manhã, que se manteve elevado, com 87% (também com queda de somente um ponto percentual nas comparações com 2019 e 2023). O cenário é similar para os horários após o almoço (76%) e durante a tarde (61%), que tiveram pequenas quedas.
Apenas o consumo na parte da noite aponta uma diminuição mais expressiva, de 36% em 2019, para 34% em 2023 e 31% em 2025.
Motivações: do humor à paz individual, passando pelo prazer de degustar
As mudanças nas motivações para tomar café merecem destaque. Desde 2019, a bebida ganhou um ar mais intimista para o brasileiro, passando a fazer parte dos momentos de bem-estar, prazer sensorial individual e de introspecção.
Em 2025, o principal estímulo relatado para consumir a bebida foi “melhorar o humor e a disposição”, citado por 63%, uma alta de 7% em relação a 2019. O aspecto de “ritual, prazer e bem-estar” subiu cinco pontos percentuais, ficando em 42%.
Agora, a principal subida está na motivação “momento para pausa, reflexão e paz”, que saiu de 2% em 2019 para 22% em 2025. Movimento semelhante foi trilhado pelo júbilo de “degustar e saborear a bebida”, que triplicou de 2019 para 2025, chegando a 12%.
Já a importância do café como instrumento de socialização diminuiu nove pontos percentuais, ficando em 33%, o que pode refletir mudanças nas dinâmicas de convivência e trabalho ao longo da década.
Onde se consome?
O ranking dos locais de consumo do café se manteve estável no período. O trabalho continua sendo o principal ambiente onde os brasileiros mais ingerem a bebida, seguido pela casa. Cafeterias, bares e restaurantes ficam em terceiro lugar e casa de amigos ou parentes fecha a lista.
Formas de Preparo
O estudo também observou mudanças na forma como o brasileiro prepara o seu café. Dentre as formas mais utilizadas, destacam-se: o coador de pano, que continua sendo o método mais utilizado, embora tenha tido leve queda de seis pontos percentuais, ficando em 52% em 2025; a cafeteira elétrica com coador de papel, que registrou o maior avanço, subindo de 26% em 2019 para 35% em 2025; e o tradicional coador de papel se manteve estável, com 34%.
Por outro lado, o expresso de máquina, que já chegou a representar 45% das menções em 2019, recuou 16 pontos percentuais, chegando a 29% em 2025, o que evidencia a redução do consumo em ambientes comerciais e maior foco no preparo doméstico.
E o açúcar? Principal parceiro do café tem leve queda
O modo de consumir o café manteve o perfil tradicional e doce ao longo dos anos, mas apresenta leves baixas em relação à combinação com o açúcar:
1º - Com leite e açúcar: 54% (queda de 1 pp em relação a 2023);
2º - Puro com açúcar: 50% (queda de 2 pp);
3º - Com leite e adoçante: 46% (alta de 3 pp);
4º - Puro com adoçante: 43% (queda de 1 pp);
5º - Quente com outros ingredientes: 14% (alta de 2 pp);
6º - Puro sem açúcar: 11% (alta de 3 pp).
7º - Gelado com outros ingredientes: 9% (alta de 2 pp);
8º - Outras formas: 5% (alta de 1 pp);
9º - Com leite sem açúcar: 3% (queda de 1 pp).
Os números sinalizam uma preocupação crescente com saúde e bem-estar, principalmente no que tange ao controle do açúcar. As variações mostram ainda a abertura do brasileiro a maior diversificação e experimentação de diferentes formas de ingerir café.
E na hora da compra? O que importa?
A decisão de compra do café atravessa uma mudança estrutural significativa, marcada pelo fim do equilíbrio entre fidelidade e preço, que se tornou indubitavelmente o fator decisivo de compra.
Em 2019, apenas 7% dos entrevistados declaravam comprar o café mais barato disponível, mas esse percentual saltou para 39% em 2025, tornando-se o comportamento predominante. Outro avanço significativo foi o dos que compram o produto apenas em promoções, que subiu 7 pontos percentuais, chegando a 13%.
Na contramão, questões relativas à fidelidade de marca tiveram reduções expressivas. O total dos que compram a marca favorita, independente do preço, caiu pela metade entre 2019 e 2025, ficando em 13%. Entre aqueles que de uma lista de rótulos preferidos compram qualquer um, a redução foi de 10 pontos percentuais, totalizando 11%. Já os que escolhem a opção mais barata, de uma lista de favoritos, a baixa foi de 11 pontos percentuais, ficando em 22%.
"Mesmo em um cenário de alta expressiva nos preços, o café segue presente no cotidiano dos brasileiros, mas de forma mais moderada e seletiva. A pesquisa revela que o consumidor não abre mão da bebida, mas está adaptando seus hábitos ao novo contexto econômico", comenta o pesquisador do IAC e coautor do estudo, Sérgio Parreiras Pereira.
Estilos de Café: baixo nível de conhecimento
A percepção do consumidor sobre os estilos e classificações do café ainda é bastante limitada. Quase metade dos entrevistados (48%) admitiu não saber diferenciar os estilos “tradicional”, “extraforte”, “superior”, “gourmet” e “especial”. 33% têm conhecimento parcial e apenas 19% compreendem plenamente as distinções.
Essa falta de familiaridade sugere que, mesmo com o avanço da cultura do café no país, a segmentação do mercado ainda é percebida de forma superficial pelo brasileiro.
Em relação à preferência, os estilos extraforte (21%) e tradicional (20%) continuam dominando o gosto popular. Eles também são os mais vendidos, com 23% e 32%, respectivamente.
Os cafés gourmet (21%), especial (18%) e superior (15%) aparecem com taxas próximas na questão da preferência, mas com porcentagens muito inferiores quando o quesito se torna a compra efetiva, com nenhuma das opções ultrapassando 15%.
Local de Compra: supermercados, a casa do café
Quanto aos canais de aquisição do café, o varejo supermercadista continua sendo a casa do produto. Os supermercados são o principal ponto de compra para a categoria, com 63,1% das menções. O atacarejo aparece em segundo lugar, com 28,2%. Um destaque importante é o avanço dos marketplaces, que entre 2023 e 2025 subiram 2,7 pontos percentual, chegando a 3,5%.
A pesquisa
O levantamento ouviu 4.200 consumidores, entre homens e mulheres, de todas as regiões do país, de todas as classes sociais e faixas etárias. O nível de confiança é de 99% e a margem de erro é de 2%.
Café: companheiro fiel, mas com uma nova relação
Entre 2019 e 2025, o consumo de café no Brasil passou por um processo de amadurecimento e racionalização, refletindo transformações sociais, econômicas e culturais. A pesquisa mostra que o produto segue tradicional para os brasileiros, mas com presença mais moderada, em uma mudança pautada pelo prazer e pelo bem-estar, em detrimento da automatização do hábito, apesar da manutenção do aspecto funcional da bebida.
Outro ponto marcante é a forte migração para o critério de preço, que se tornou determinante para a maioria dos consumidores. Essa tendência indica não apenas a maior sensibilidade econômica do brasileiro, mas também um consumo mais pragmático, que alia equilíbrio entre qualidade e custo-benefício.
Além disso, vale destacar o crescente interesse pela diversificação da experimentação, mesmo diante da consolidação dos estilos tradicional e extraforte.
O resultado da pesquisa aponta um consumidor mais seletivo, que reconhece o valor simbólico do café, mas toma decisões cada vez mais orientadas pelo contexto econômico.
Atenção, supermercadista!
O café continua sendo um gigante do varejo abastecedor, mas o comportamento do consumidor agora exige mais estratégia. Quem entender e se adaptar ao novo ritual de consumo do produto, e também às questões de valor intrínsecas, sairá na frente.
Reforço de sortimento por faixas de preço: com a maioria dos clientes apontando o preço como fator essencial, é primordial garantir opções acessíveis, sem abrir mão da qualidade, é um diferencial. É preciso aliar ofertas de opções econômicas, mantendo linhas com valor agregado para a parcela considerável que busca diferenciação;
Promoções estratégicas: campanhas promocionais foram um ponto de relevância levantado na pesquisa. Ações generalizadas e ofertas personalizadas via CRM podem ser boas apostas para criar gatilhos de compras;
Informe o consumidor: a maioria dos entrevistados afirmou não saber diferenciar os estilos de café. Promover ações destacando as variações do produto e criando experiências pode ser o fator decisivo para influenciar a escolha e ampliar o ticket-médio;
Valorize a experiência: o café vem tendo significado mais pessoal e ligado ao prazer do consumidor. Explorar ambientações sensoriais e comunicações que reforcem esses momentos pode ser um diferencial.
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