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Supermercados em prédios históricos: um bom negócio!

22/09/2025 • Last updated 2 Months

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"Um povo sem memória é um povo sem história", já disse a historiadora Emília Viotti da Costa. Ou, como cita a inscrição no Estádio Nacional do Chile, "Um povo sem memória é um povo sem futuro". E cidades como o Rio de Janeiro são exemplos emblemáticos e extremamente ricos nesse quesito. Porém, como conciliar a evolução necessária do espaço urbano, se adaptar à modernização, sem colocar em risco o que deve ser preservado? É o paradoxo do desenvolvimento e da conservação.

Preservação e desenvolvimento: antagonistas?

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"Na verdade, o que impede construção é um imóvel preservado, porque ele não pode ser alterado para construções de edifícios maiores. Qualquer imóvel tombado ou preservado, se tem alguém interessado em mantê-lo, já é muito bom. Porque a condição dos imóveis tombados no Rio de Janeiro, ou em qualquer cidade do mundo, são sempre precárias, porque não existe incentivo para a manutenção deles, como o seu tombamento e suas características. O interesse (de supermercadistas), talvez, venha porque os preços desses imóveis diminuam, então vale a pena para os supermercados ocuparem", explica o arquiteto e urbanista Rogerio Goldfeld Cardeman.

O urbanista Mário Márcio Queiroz, professor doutor do Departamento de Urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro Comissão Temática de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CATHIS/CAU-RJ) e representante do CAU-RJ na CATHIS/CAU-BR, analisa: "O Estado do Rio de Janeiro e, em particular, a sua capital passam por processos de requalificação urbana nas suas áreas centrais, em espaços aos quais situam-se grande estoque de imóveis tombados e/ou históricos. Todavia, outros imóveis com características de tombamento se assentam em várias outras regiões da cidade. Desta forma, a inserção da atividade supermercadista proporcionaria a reinserção predial na operacionalidade urbana da cidade e o cumprimento da função social da propriedade privada, tombada ou não, prevista no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, com o consequente enquadramento às normas urbanísticas das cidades e conciliadas às diretrizes apostas pelas legislações do patrimônio histórico edificado".

Revitalização, preservação e reuso: possibilidades frente às especificidades

Ainda que um desafio, a revitalização de imóveis históricos e tombados não é uma contraposição ao desenvolvimento. E é exatamente nesse momento que entra o varejo supermercadista. Nosso setor tem se mostrado um grande aliado do processo de preservação de imóveis históricos ou tombados. Exemplos não faltam pela cidade, inclusive, em um movimento contínuo.

Nos próximos meses, duas novas unidades de associados da ASSERJ, darão sequência a essa parceria. Uma delas é a nova loja do Zona Sul na Rua do Catete. O imóvel de quase 4 mil m², construído em 1875 e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1962, foi adquirido há cerca de dois anos e agora passará por reformas, porém, mantendo suas características históricas, como expõe Ademilson Andreu, diretor de Operações do Zona Sul: "Nosso objetivo é trabalhar incansavelmente para o cliente e para nossos quase sete mil colaboradores. Entender o que necessitam, suas vontades, criar e antecipar a demanda de ambos. E a escolha de novas lojas segue esse caminho, com um olhar sobre a oportunidade de levar este conceito cliente-colaborador e serviço para um novo ponto. O Casarão do Catete foi um achado, pois guarda uma linda história de hotel do século XIX com as famosas refeições que custavam mais que a diária de hospedagem, assim como o cocho que fornecia água fresca para os cavalos. É um fato que vamos aproveitar e trazer todo este registro para o local em nossa nova loja. Quem sabe até criarmos pratos que remetam a história da época. Preservação da história do Rio e inovação não irão faltar na nova loja do Zona Sul".

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Filipe Marino, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), complementa: "Primeiro, sem dúvida alguma, é que esses imóveis históricos de grande porte geralmente oferecem grandes vãos entre pilares, grandes áreas e também um pé-direito bem alto. Então, pensando na possibilidade de layout que esses imóveis oferecem, são tremendos. Tem uma segunda questão que temos que pensar muito, que é a expansão da cidade. Ela se expande em um sentido que vai deixando para trás esse legado patrimonial, que acaba ficando bem localizado em áreas que são consolidadas. Então, geralmente, são áreas em que você tem um adensamento no entorno, e eles acabam servindo muito bem para que esse setor do varejo consiga se localizar perto dos consumidores. Tem uma outra questão também, que acho que podemos pensar, que é das compensações financeiras que alguns grupos podem ter em relação a ocupar imóveis que estão fechados e retrofitar esses imóveis, o que é também muito interessante".

"Isso é muito bom para a cidade, porque qualquer espaço vazio, sem uso, traz insegurança. O que promove segurança é o que chamamos de fachada ativa, de uso da cidade por vários tipos como residencial, comercial, serviços. Então, quanto mais se tem usos na cidade, e usos diversificados, mais vitalidade temos. Do ponto de vista da preservação, essa aliança é muito importante, porque a preservação de bens que tenham características para tombamento é fundamental para entendermos a evolução histórica da cidade. Como é que ela saiu, desde que foi fundada. Ter sempre edifícios característicos de várias épocas, e não só aquelas antigas, mas as mais novas, as mais contemporâneas, mostram, então, a evolução da arquitetura e da cidade. Isso é superimportante. Mas não é a preservação de qualquer imóvel que seja antigo, mas sim os que tenham características importantes para entendermos essa história, isso é muito bom", pontua Rogerio Goldfeld.

Mário Márcio Queiroz salienta: "Na verdade, um atributo especifico de construções caracterizadas em processos de tombamento ou salvaguarda patrimonial se caracteriza por oferta de dimensões espaciais de maior porte e situados, em sua grande maioria, em centralidades urbanas com potencial mercado consumidor. Esta articulação possibilita a que a rede supermercadista possa investir na recuperação patrimonial de imóveis tombados, com reenquadramento operacional de dinâmica urbana por atividades econômicas que possibilitem a geração de empregos e oferta de atividades comerciais à população".

Filipe Marino ratifica: "O setor supermercadista surge como um ativo que pode trazer uma nova utilização. Tem uma dificuldade que alguns imóveis apresentam, dependendo do grau de tombamento e de preservação, para que ele tenha um novo uso, principalmente para o patrimônio industrial, que geralmente são grandes lotes, grandes galpões, mas com baixa adaptabilidade. Então, se pensarmos, o setor supermercadista olha para isso por precisar de uma grande área expositiva, para produtos e estoque, ele acaba tendo uma reutilização adaptativa desses grandes volumes edilícios. E de uma maneira que ele consegue transformar alguns vazios urbanos para esse uso mais cotidiano. Temos vários exemplos aqui no Rio de Janeiro, e isso acaba dando uma viabilidade econômica para essas obras de retrofit que acontecem nesses imóveis", ratifica Filipe Marino, professor adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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Outro exemplo de memória e futuro é a nova loja do Redeconomia, em um antigo imóvel na Avenida Professor Pereira Reis, no Santo Cristo. O espaço será o primeiro supermercado da Zona Portuária desde o início da revitalização da região, em 2014. Além disso, a unidade atenderá aos novos moradores dos quase 20 empreendimentos em construção na área do Porto Maravilha. O urbanista destaca: "Se falarmos, por exemplo, do Centro do Rio, onde tem diversos imóveis que são tombados e preservados, isso, além da ocupação que tem no Reviver Centro, ocupando edifícios de escritórios com residências, essas residências e os moradores sempre precisarão de algum tipo de serviço, como supermercados, que são essenciais. Então, se você só tiver residencial sem nenhum tipo de comércio, não consegue ocupar e trazer uma vitalidade à cidade. A cidade fica meio abandonada. A pessoa teria que sair, pegar metrô ou carro para ir em um mercado longe. Então, isso ajuda muito o reestabelecimento dos centros históricos das cidades. Traz nova vida, onde já tínhamos perdido a esperança de ver os centros ocupados novamente".

O professor de Arquitetura e Urbanismo da Uerj também levanta outra questão: "Mas tem uma coisa que é legal pensar: quando você consegue associar a marca do seu empreendimento com uma obra que tem um carinho da população, num sentido da preservação mesmo. Você conhece determinado lugar por um nome, e você cria um supermercado ali, naquele prédio, naquela fábrica; isso acaba sendo uma coisa muito positiva também. Associar sua marca a áreas e edifícios que contam com uma memória afetiva da população. Além desse valor simbólico, tem o valor patrimonial material. Quando bem utilizado, ele agrega valor no valor econômico do empreendimento. Geralmente, quando você tem esse patrimônio bem integrado na cidade, você acaba tendo ganhos de escala em diversas questões do funcionamento da cidade, que são muito interessantes. Você consegue, num primeiro momento, ampliar. A rede varejista gera empregos, gera tributos, tem a valorização do entorno e do patrimônio, a melhoria da paisagem. Então, tem muitos aspectos de ganho em torno dessa ocupação".

Supermercados: uma solução prática para cidades vivas

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A presença de supermercados em imóveis históricos traz múltiplos benefícios para as cidades. Além de garantir a manutenção dos prédios, o comércio ativa as regiões de diversas formas, com serviço essencial, circulação de pessoas, segurança, transportes, urbanização, dentre tantos outros pontos, diversificados usos de edificações e dando mais vitalidade à cidade, auxiliando na criação de um ecossistema urbano saudável, que alie passado e presente na construção de um futuro com memória. Os cases são dos mais diversos, como: a antiga garagem da Viação Cometa, atual Supermercado Guanabara; a antiga filial da churrascaria Estrela do Sul, atual Supermarket; a antiga concessionária Roma Fiat, atual Supermarket; a antiga Associação Atlética Vila Isabel, atual Prezunic; o antigo cinema de rua na Praia de Botafogo, hoje Supermarket; dentre tantos outros.

Ainda podemos citar as antigas fábricas da Tecidos Confiança e da Companhia Hanseática, ambas na Zona Norte. Além das recentes especulações sobre a revitalização do antigo prédio da Caixa Econômica Federal, na Avenida Rio Branco, no Centro. A Prefeitura do Rio já recebeu um pedido de licença para retrofitar e converter o Edifício Almirante Barroso em residencial, com previsão de instalação de um supermercado no térreo.

"Sem dúvida alguma, você pensa em equipamento cotidiano da rede varejista, qualquer que seja a rede de supermercado. Utilizar uma edificação que estava sem uso, nesse primeiro momento já pensando em desenvolvimento urbano, tem um ganho grande de atrair emprego, atrair fluxo de pessoas, gerar impostos; geralmente, aumenta a segurança da área. É uma densificação que é sustentável no sentido do consumo, do uso do solo mesmo, da realização da função social da cidade. Tem algumas questões que são importantes, para além da reciclagem do edifício, mas também pensar uma cidade com variedade de uso misto, com vitalidade das ruas, os edifícios históricos participando do cotidiano, não como esculturas ou museus, mas ligados a um uso cotidiano dos espaços, quando se vai no mercado e se relaciona com patrimônio edificado. Também acaba reduzindo os impactos ambientais, se pensarmos, por exemplo, nos impactos que teria para construir um novo edifício. Então, temos um modelo urbano resiliente, onde o patrimônio está operando com a economia local e a mobilidade, e acaba trabalhando em prol dessa fluidez, trazendo um desenvolvimento muito equilibrado e muito mais sustentável para a cidade", comenta Filipe Marino.

"O sistema de desenvolvimento dessas regiões depende justamente da manutenção da tradição e da ocupação histórica. E o varejo supermercadista surge com um papel central nesse processo, trazendo movimento, serviços e segurança para o entorno, além de promover empregos e atuar diretamente na saúde econômicas dessas regiões", afirma Fábio Queiróz, presidente da ASSERJ.

Mário Márcio Queiroz ressalta: "Torna-se de fundamental importância a valorização da funcionalidade urbana de imóveis preservados que ofereçam atividades comerciais compatíveis à condição de preservação patrimonial. No caso específico de atividades supermercadistas, faz-se necessário adequar algumas práticas operacionais da atividade que evitem distúrbios para seu entorno, na movimentação de cargas e, sobretudo, na condição para armazenamento e comercialização de mercadorias perecíveis, que já devam ser ofertadas ao consumo acondicionadas em embalagens próprias, bem como demais produtos que necessitem de preparo antecipado para sua comercialização".

"As diretrizes operacionais das cidades brasileiras, em seus instrumentos de política urbana tais como Plano Diretor Participativo e Preservação do Patrimônio Edificado, instruem as instâncias municipais à permanência de sítios de representatividade histórica e cultural de suas áreas assentadas aos núcleos urbanos. Desta forma, recuperar uma edificação de cunho preservacionista possibilita a recuperação da vivência urbana destas regiões. E, sobremaneira, as diversas atividades que se componham nesses espaços recuperados significam a verdadeira complementação funcional de reinserção urbana, na qual as funções comerciais, institucionais, educacionais e culturais, dentre outras, promovam a reconexão urbanística com as demais regiões adjacentes de seu entorno", finaliza o professor doutor membro da CATHIS/CAU-RJ.

Para o nosso setor, é uma oportunidade clara: ocupar imóveis históricos não é apenas um investimento comercial de custo mais atrativo. É também um compromisso com a memória da cidade, com qualidade de vida de seus moradores e com o desenvolvimento não apenas econômico, mas social e imobiliário, transformando o varejo supermercadista em um segmento atuante muito além do serviço de abastecimento da população, chegando a alcançar o imaginário do consumidor em diversas facetas. Mais do que isso, é uma forma concreta de contribuir para que o Rio de Janeiro recupere suas regiões, mantenha viva a sua história e continue evoluindo sem perder sua identidade, afinal, "Um povo sem memória é um povo sem futuro".

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