
Tecnologia, omnicanalidade e a redefinição das lojas físicas: as discussões no 1º dia da NRF Europe

A primeira edição da NRF Europe, realizada em Paris, teve na última terça-feira, 16 de setembro, seu primeiro dia. Reunindo alguns dos principais nomes do varejo mundial, o principal tema dos debates da abertura do evento foi: o futuro das lojas físicas em um cenário de digitalização acelerada e integração com o e-commerce. A versão europeia da tradicional feira de Nova York, a maior do mundo para o segmento, trouxe painéis que mostraram como dados, inteligência artificial, estratégias omnichannel, supply chain e o foco na experiência do consumidor estão transformando o setor.
A cerimônia de abertura ficou a cargo de Matthew Shay, presidente e CEO da NRF, que enfatizou o papel estratégico do varejo na economia mundial, destacando que o setor é hoje o maior empregador privado global, sendo responsável não apenas pela geração de empregos, mas por impulsionar o desenvolvimento econômico mundial. Segundo Shay, o varejo se diferencia pelo caráter inclusivo, transformador e democrático, com potencial de crescimento até cargos de liderança para todos aqueles que possuam dedicação, curiosidade e paixão para abrir caminhos, característica única, que mantêm o constante movimento do segmento. O executivo ainda ressaltou o papel da diversidade como motor de inovação, sendo ela a responsável por estimular novas ideias e acelerar processos de mudança.
Além disso, o CEO da NRF defendeu a necessidade de políticas que garantam mercados abertos, práticas comerciais justas e acesso a capital e mão de obra qualificada, fatores indispensáveis para o crescimento sustentável e equilibrado.
Tecnologia e dados: a loja física como HUB inteligente
Um dos assuntos mais debatidos no primeiro dia da NRF Europe foi o papel das lojas físicas, que passam por uma transformação, em caminho para se converterem em espaços inteligentes, guiados por dados e inteligência artificial. Segundo pesquisa apresentada por Mauro Anastasi, sócio da Bain & Company, 75% dos executivos de varejo planejam transformar suas lojas nos próximos dois anos, com foco em engajamento, logística omnicanal e novas fontes de receita. Ele ainda destacou que 70% dos líderes acreditam que investimentos em tecnologia terão retorno em até três anos, e que quase metade espera ganhar 1,5 ponto adicional de margem de EBITDA.
Já na visão do varejo supermercadista, destacada pelo Carrefour, a digitalização é prioridade, porque 90% da receita ainda vem do ambiente físico. O Miguel Angel Gonzalez, diretor digital do grupo, apresentou cases práticos da rede, como o uso de IA no autoatendimento que, em menos de um ano, recuperou 1% do faturamento, graças a redução de rupturas de estoque. Porém, mesmo defendendo a aceleração da digitalização, Gonzalez frisou que o futuro das lojas está em tecnologias aplicadas de forma prática, do corredor ao caixa, mas sempre como suporte ao trabalho humano.
Por sua vez, Jérôme Hamrit, vice-presidente executivo de Data & Retail Media do VusionGroup, reforçou que a tecnologia deixou de ser uma experimentação opcional para se tornar ferramenta estratégica, frisando que 60% dos executivos já priorizam recursos in-store. Citando etiquetas digitais e visão computacional como exemplos, o executivo apresentou como essas mudanças começam com ganhos operacionais, mas evoluem para impactar categorias, e-commerce e até mídia no PDV.
Entre as tendências para os próximos anos, os executivos destacaram geolocalização, visão computacional e IA pragmática como pontos de atenção, porém, sempre com foco em apoio a colaboradores e geração de valor real para o consumidor.
Omnicanalidade e logística: a união do mundo físico e digitalUma conclusão quase constante nos palcos da NRF Europe foi a de que o futuro do varejo não é uma questão de escolha entre o físico ou o digital, mas sim uma combinação dos dois universos. Hélène Labaume, diretora de Inovação do Carrefour, reforçou que o varejo supermercadista é a espinha dorsal do e-commerce, operando como hubs logísticos para pedidos online, drive-thru, retirada em loja e parcerias com plataformas terceirizadas de entrega.
Shawn Koffler, diretor de Inovação da rede farmacêutica Super-Pharm, afirmou, usando sua empresa como exemplo, que 85% dos clientes online escolhem retirar seus pedidos nas lojas e que, na tentativa de transformar essa conveniência em experiência, a rede aposta em robôs autônomos, realidade aumentada e IA para personalizar música ambiente. Bård Kvamme, diretor de varejo da Norrøna, organização do segmento premium de esportes outdoor, destacou que as lojas globais do grupo norueguês não são apenas pontos de venda, mas hubs estratégicos em cidades e destinos de montanha. Ele frisou, de forma categórica, que lealdade e consciência de marca surgem do contato físico.
Já Laura Toledano, diretora-geral da Zalando para a Europa Ocidental, expôs como a plataforma investe em IA para prever a demanda regional, otimizar estoques e reduzir impacto ambiental. Ela ainda referendou o tema, ao declarar que o consumidor não enxerga fronteiras entre on e offline, mas espera, em ambos, conveniência, personalização e propósito. Outro a seguir a mesma tônica de pensamento foi Antoine Nizan, da ABG, que pontuou o fato de que lojas físicas deixaram de ser somente pontos de venda, para serem espaços de interação e emoção.
Supply chain e IA: eficiência e cultura de dadosOutro debate profundo foi sobre as mudanças que a inteligência artificial tem provocado, causando uma redefinição do supply chain.
Hélène Chaplain, diretora global de TI da Pernod Ricard, apresentou o uso da IA para previsões de demanda e planos de produção, funcionando como uma balança entre tradição e eficiência. A executiva frisou que o próximo passo será o uso de robótica em atividade manufatureiras, não com a substituição de colaboradores, mas como forma de ampliar a capacidade.
Maksym Tipukhov, diretor do Fozzy Group, a segunda maior rede de supermercados da Ucrânia, trouxe a visão de operar durante a guerra. Segundo o diretor, a IA já cortou na metade o custo por entrega no e-commerce. Apesar disso, Tipukhov foi veemente ao alertar a necessidade de existir planos de contingência e de preparo das empresas para um cenário sem disponibilidade de tecnologia.
A IA também foi responsável por uma mudança cultural íntima na Scarpe&Scarpe, segundo o CEO da empresa italiana, Marcello Pace. Em seu relato, o executivo demonstrou que, anteriormente, o estoque do grupo era definido por estética e design, mas com sistemas inteligentes essa decisão passou a ser orientada por dados específicos como previsão de demanda, preços e promoções, com uma mescla diversificada de variáveis, que superaram resistências iniciais, convencidas através de resultados.
Experiência é engajamento: tecnologia a serviço do humanoMesmo com todos os avanços digitais apresentados, a grande maioria dos painelistas foi enfática ao afirmar que a interação humana é essencial. Bård Kvamme, por exemplo, adotou um tom crítico ao falar sobre o excesso de autoatendimento em setores premium. Para o executivo, a personalização e a narrativa de marca dentro das lojas é um ponto nevrálgico. Shawn Koffler também seguiu na mesma linha, salientando que a confiança no setor farmacêutico depende do contato com profissionais treinados.
No caso do Carrefour, Miguel Angel Gonzalez enfatizou a importância dos colaboradores terem ciência da simplificação que a tecnologia promove na rotina e que sem essa compreensão a transformação não acontece. Ele apontou que o grupo já capacitou 80 mil funcionários, apenas na França, ao aderir a metodologia "four in the box", que integra tecnologia, produto, design e negócios. O executivo resumiu a questão afirmando que a loja que funciona é que combina variedade, preço e funcionário engajados, com suporte da tecnologia.
As lições do 1º dia da NRF Europe para os supermercadistas fluminensesOs debates da abertura da NRF Europe mostraram que, ainda que nosso setor esteja mergulhado em um contexto de transformação extremamente acelerada, certas direções são bastante evidentes:
- Presença física segue primordial: ela é o pilar da construção de marca, da consolidação da credibilidade e do relacionamento com o consumidor;
- O físico é aliado do avanço digital: o crescimento no mundo online é amplificado e fortalecido quando ele está conectado às lojas, que assumem papel de centros de logística, dados e experiência;
- Tecnologia demanda utilidade prática: as ferramentas por si só não são sinônimos de sucesso, já que para alcançar resultados é preciso apoiar times de loja, reduzir atritos e tornar a jornada de compra simplificada;
- Comportamento humano segue como diferencial: por mais que a tecnologia assuma papéis de destaque, necessidades humanas como personalização, conveniência e atendimento qualificado permanecem insubstituíveis para a fidelização do cliente;
- Em resumo, a NRF Europe reforçou que o futuro competitivo do varejo passa pela integração entre físico e digital, apoiada em inovação aplicada, pessoas preparadas e marcas conectadas aos valores do consumidor contemporâneo.
A abertura da NRF Europe reforçou uma conclusão que a ASSERJ já destaca, o futuro do varejo supermercadista não está na substituição do físico pelo digital, mas sim em uma integração real e eficaz, baseada em planejamento e estratégias inteligentes, dos dois mundos. Lojas conectadas, tecnologia aplicável e capacitação de colaboradores para esse novo tempo serão os alicerces daqueles que farão crescer sua competitividade.
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