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Inflação sob controle? Vem conferir!

03/12/2025 • Last updated 2 Days

Economia
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A desaceleração da inflação nos últimos meses trouxe alívio às redes do varejo supermercadista, que vinham enfrentando forte pressão de custos desde a pandemia. Indicadores ao consumidor, ao produtor e da construção civil passaram a mostrar sinais mais consistentes de arrefecimento. Mas a pergunta que permanece no radar dos empresários é direta: esse movimento é estrutural ou apenas circunstancial?

Para o economista André Braz, pesquisador do FGV IBRE, a leitura de melhora precisa ser feita com cautela, sobretudo por quem opera diretamente com margens estreitas e grande exposição a itens voláteis, como alimentos e combustíveis.

“A taxa básica de juros elevada não imuniza a economia aos choques de oferta. Quando a inflação é pressionada por fatores como clima, câmbio ou eventos internacionais, o impacto é direto no custo de produtos essenciais, e o varejo sente isso imediatamente nas gôndolas”, avalia Braz.

Inflação desacelera… mas não pelo motivo que o mercado gostaria

Apesar da desaceleração recente, os dados mostram que o movimento tem relação mais direta com fatores externos à atividade econômica do que com arrefecimento da demanda interna. A safra agrícola mais robusta e a valorização do real frente ao dólar tiveram papel decisivo na redução de preços de alimentos e produtos importados.

“A atual moderação inflacionária tem vindo muito mais pelo lado da oferta do que pela desaceleração da economia. O mercado de trabalho segue aquecido, a renda continua crescendo e isso mantém pressão sobre serviços e itens que têm forte componente inercial”, pontua Braz.

Na prática, isso significa que os custos mais sensíveis para o varejo supermercadista — energia, aluguel, folha de pagamento e contratos de serviços — continuam pressionados, mesmo com o IPCA mostrando números mais comportados.

O dilema da política monetária e o efeito direto no varejo

Quando a inflação vem de choques externos ou fatores climáticos, o Banco Central enfrenta um dilema: subir juros para combater uma inflação que não nasce do excesso de consumo. E essa decisão tem efeito colateral direto sobre o setor.

“Juros elevados reduzem o fôlego da economia e encarecem o crédito. Para o varejo, isso significa menos consumo financiado, mais cautela do consumidor e maior dificuldade de investimento em expansão, tecnologia e modernização das lojas”, explica Braz.

Ou seja, embora a política monetária ajude a evitar desancoragem inflacionária, ela também impõe custos ao crescimento do setor, especialmente para pequenas e médias redes.

O indicador que você deveria acompanhar (e talvez não esteja)

Segundo o economista, o maior erro do mercado é observar apenas o índice cheio de inflação e ignorar o que realmente importa: a inflação subjacente.

“Quando o IPCA cai por conta de alimentos ou combustíveis, mas os núcleos seguem pressionados, o alerta está ligado. Isso indica que a inflação estrutural, aquela que vem de serviços, salários e contratos, ainda resiste”, afirma.

Os núcleos de inflação excluem itens altamente voláteis e permitem enxergar a tendência real dos preços. Para o varejo, esse olhar é fundamental para decisões estratégicas, como: renegociação de contratos; política de preços; estruturação de estoques e planejamento financeiro de médio prazo.

“Núcleo não é detalhe técnico. É termômetro de tendência. É ele que mostra se a inflação está realmente cedendo ou apenas sendo maquiada por fatores temporários”, resume Braz.

Comunicação falha, decisões erradas

Para o especialista, a dificuldade está menos nos cálculos e mais na comunicação. O público — e muitas vezes o próprio empresariado — ainda está condicionado a olhar apenas o IPCA cheio, sem compreender suas distorções em momentos de choque.

“Se usamos um indicador que não separa ruído de tendência, a política monetária reage demais, por mais tempo do que o necessário. Isso custa emprego, crédito e crescimento”, alerta.

Para o varejo supermercadista, isso se traduz em um ambiente de incerteza mais prolongado, com dificuldade de planejar preços e investimentos com segurança.

O que isso muda para o supemercadista?

Em um cenário no qual o IPCA parece mais comportado, mas os custos estruturais seguem pressionados, a recomendação é clara: cautela estratégica. Portanto, segundo Braz, não se pode confiar apenas na inflação-cheia, deve-se observar núcleos e indicadores de serviços, além de planejar margens com base em custos persistentes.

“A inflação até parece mais controlável hoje, mas o trabalho ainda não terminou. Clima, geopolítica e câmbio continuam sendo fontes de risco”, conclui Braz.